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Diagrafia #2 – Manifestações do 1º de Maio 2019

Diagrafias

A ideia nas Diagrafias é fazer etnografia de um dia específico, sobre uma comemoração pública ou uma iniciativa privada, a situar no tempo e no espaço. O exercício baseia-se na observação etnográfica num só dia, sem possibilidade de continuar a exploração do mesmo tema noutra ocasião. O resultado formal deve ter um texto no qual se transcreve tudo o que se anotou no caderno, junto com gravações de som ambiente.

A transcrição das notas etnográficas quer-se o mais próximo possível do original, ou seja, com poucas correções formais e factuais. Um dos intuitos é apenas de revelar um olhar etnográfico sobre as ações sociais durante um dia, sem que haja comentários ou aprofundamentos analítico-teóricos. É a revelação da forma mais crua de observações etnográficas, deixando ao leitor a liberdade de interpretar, de querer analisar e questionar.

A nível do método e da forma, as Diagrafias estão próximas do que é feito em etnografia com “descrição densa” (Geertz, 1973), mas também dos documentários de Wiseman, Rouch ou Depardon, e da mais recente escrita da antropóloga Françoise Héritier (2012, 2017). O resultado não tem qualquer pretensão literária, embora nele se revele uma estética muito própria à escrita de notas curtas sobre interações sociais e sobre os contextos nas quais se realizam.

A segunda Diagrafia do projecto ArtCitizenship foi feita nas manisfestações do 1º de Maio 2019, em Lisboa. Partindo da praça do Martim-Moniz, a marcha subiu a avenida Almirante Reis até à Alameda. Propomos que oiça o som ambiente durante a leitura.


Diagrafia #2

Manifestações do 1º de Maio

Lisboa, Portugal

14h33

Venho da Praça da Figueira, pela rua João das Regras, na qual o chão está sujo, o lixo voa com a corrente de ar. No fim da rua, do lado esquerdo, está sentada uma prostituta vestida de vermelho.

Chego à Praça do Martim Moniz. Há polícia de trânsito. Só passa o elétrico 28 até à fila de turistas.

O centro da praça está inacessível devido a obras. Há chapas metálicas a circundar.

Observo tudo de cima porque subi uma rampa do lado direito que dá até ao 1º andar dos restaurantes e salões de beleza.

Ao fundo ouve-se o som, música que parece ser galega, oiço gaitas.

Vê-se o início da avenida Almirante Reis que está cheia, as pessoas dirigem-se para lá.

As fontes de água da praça estão ligadas.

Ao longe vejo bastantes bandeiras vermelhas.

Oiço turistas franceses. Há língua chinesa e nepalesa também.

Estou sentado ao balcão do 1º andar, em frente ao salão “Paraíso da Princesa”.

Um senhor barrigudo, com a cara do Ché Guevara na t-shirt, um cravo ao pescoço, boina do Ché, entra na “Padaria Portuguesa”.

O céu está azul, há sol e está calor.

Dois miúdos aproveitam a estrada sem carros da praça para andar de bicicleta. A corrente de uma delas saiu. Ajudo-os a resolver o problema.

Na paragem de autocarros, em frente ao Mercado do Martim Moniz, estão vários idosos sentados à sombra. Chega uma senhora junto de uma idosa sentada no banco da paragem. Pergunta-lhe se ela não se importa de ser delegada na Tercena. A idosa parece atordoada, mas diz que sim.

“Imigrantes contra a escravatura”, diz um cartaz. Está cá o grupo de imigrantes que esteve no desfile do 25 de abril. Têm a mesma faixa. Estão em frente ao Mercado. Alguns trouxeram instrumentos musicais, de percussão e de sopro, que me parecem vir do Bangladesh ou do Paquistão.

Há reencontros entre pessoas que metem a conversa em dia.

As faixas estão deitadas no chão, as bandeiras estão aos ombros e ao vento.

Todas as sombras das árvores são aproveitadas.

Uma senhora impõe autocolantes de um cravo e pede 1€. Se não lhe derem dinheiro ela tira o autocolante do peito.

A saída do metro do Martim Moniz, na praça, frente ao mercado, é um ponto de venda de cravos. Pessoas saem da boca do metro a olhar o telemóvel para perceberem onde devem seguir.

São distribuídos balões voadores às crianças. Ouvem-se alguns a rebentar.

Há muita gente de t-shirt vermelha.

Sentado na berma de um canteiro da praça, sinto o chão a vibrar com a passagem do metro.

Duas senhoras de idade estão à janela a observar o que se passa. Têm um chapéu de chuva para proteger do sol enquanto conversam. Ao seu lado e por baixo estão dois cartazes: “Aluga-se T3 – 963369655”.

Levantam-se as faixas do chão. Os manifestantes já estão nos seus lugares, em ordem, em fila.

“Democracia não é lotaria.”

Há coletes amarelos da CGTP.

Abril está muito presente: cores, t-shirts, cravos, boinas, faixas.

Há pais esperando à sombra com as crianças.

Ouve-se Zeca Afonso a cantar Grândola.

No início da avenida Almirante Reis, o segundo e o terceiro prédio do lado esquerdo parecem ter sido renovados recentemente. No lado oposto, do outro lado da rua, o segundo edifício está em obras grandes. Há andaimes e uma zona reservada do passeio, entre chapas, para armazenar tijolos e areias.

O vendedor de flores do Cais do Sodré está presente, vende cravos.

O Zé Povinho do 25 de Abril também marca presença neste 1º de Maio.

A polícia tem aqui uma esquadra, do lado esquerdo. Há carrinhas da PSP estacionadas. Duas delas, de porta lateral aberta, têm polícia de choque no seu interior. A maioria está a olhar para o telemóvel.

A Avenida Almirante Reis está mais cheia do lado esquerdo devido à sombra.


15h21, começa a marcha do 1º de Maio.

Uma senhora grita slogans ao microfone.

Começam os tambores tocados por jovens dos Karma Drums.

A CGTP lidera a marcha.

Uma jornalista da televisão entrevista quem está à frente a segurar a faixa.

As pessoas no passeio também reagem aos slogans.

“– Abril e Maio de novo / Com a força do povo”

Há fila no multibanco.

A loja chinesa de acessórios está aberta. O vendedor assiste à porta.

O Kebab vende cervejas.

Há muitos fotógrafos.

Pessoas também caminham no sentido contrário, em direção ao Martim Moniz. Passa uma senhora vestida de vermelho, com um monte de frutos de plástico na cabeça. Lembra-me aquela personagem…??

Um casal observa a marcha enquanto come gelados.

Há carrinhas da CGTP com grandes cartazes que juntam Abril e Maio.

O Zé Povinho desce a avenida com um braço no ar e a gritar “– Jamais serão vencidos!”

Há turistas e portugueses que não estão aqui para a manifestação. Alguns deles caminham calmamente, observam e sorriem.

Ao balcão do Bloco de Escarda, do lado direito da Avenida Almirante Reis, está uma mulher de vestido vermelho. Tem os lábios pintados de um vermelho forte e tem um cravo a esconder o decote. Na tela do balcão está escrito: “Lado a lado pelo que é de todos.” 

A polícia acompanha em marcha a pé, estão a uma distância de 20 metros uns dos outros.

“Anarquia do Barreiro”, está presente.

“Trabalhadores da Vasconcelos e Gonçalves em luta.”

Faixa de Alcochete.

Trabalhadores de Sesimbra com bandeira da Venezuela.

Uma mãe muda a fralda ao seu bebé deitado em cima de uma mesa de alumínio no passeio em plena marcha, junto ao Bangla Bazar.

Chegada ao Intendente.

A Marisqueira está fechada.

No chafariz do largo estão sentadas pessoas à sombra. Entre elas também estão senhoras que costumam prostituir-se na Calçada do Desterro.

A marcha não é muito densa, mas enche a avenida ao comprido.

Surge o Zé Povinho de novo mas com todo um aparato: há bonecos de esferovite pintado; há uma carrinha na qual foi fixado um boneco do Zé Povinho deitado e com má cara. A carrinha é da CCQC.

“Justo e necessário, o aumento do salário.”

A marisqueira Ramiro está fechada.

Dois amigos de cerveja na mão levantam as t-shirts e comparam barrigas. Um deles dá chapadas na barriga. Riem-se. 

O Primeiro Ministro, António Costa, está representado por um grande boneco caricatural. Junto a ele está uma senhora que empurra um carrinho de bebé.

Os turistas tentam passar com as suas malas pela multidão. Param e observam enquanto sorriem.

O líder dos percussionistas gere o grupo através de linguagem gestual, códigos através de sinais manuais.

Nos postes da Avenida Almirante Reis, já há cartazes para a Festa do Avante em setembro.

As camadas sociais mais baixas dos bairros, pelos quais passa a manifestação do 1º de Maio, não me parecem participar nesta mesma. Alguns deles vêm no sentido contrário à marcha, junto com os turistas.

O concelho da Moita está representado com carrinha e slogans ao microfone.

Pelo passeio do lado direito sobe um casal que me parece ser de ciganos da Roménia. O homem vai à frente, a mulher de saia, chinelos e meias cor de rosa, segue atrás. Ambos têm grandes sacos de plástico ao ombro.

Parece-me que há menos jovens do que no 25 de Abril. E menos diversidade de lutas também.

Os cafés da avenida enchem-se de pessoas que querem um refresco.

O Sindicato dos Professores da Grande Lisboa está presente.

Alguns slogans ao microfone têm sotaque brasileiro.

Passamos a Rua dos Anjos.

Os turistas do Banho Restaurante no Beautique WC Hotel estão na sua esplanada, protegidos por vidros transparentes. Sentados, observam a marcha enquanto bebem algo.  Há sorrisos e caras de amazement.

Os Trabalhadores do Metro estão representados.

A Fenprof está presente.

Passamos pela zona da Igreja dos Anjos.

O sol está muito forte.

“Dia 1º de Maio, dia do trabalhador, dia de festa sim, mas também de luta.”

A estrutura que simula um comboio, que tinha visto no desfile do 25 de Abril, está presente nesta marcha também. “Novos comboios na CP.”

Cada sindicato de trabalhadores, de cada empresa, tem as suas faixas e reivindicações.

À porta do edifício da Santa Casa da Misericórdia, em frente à Igreja dos Anjos, está um grupo de pessoas, alguns deles sem-abrigo. Há caras que revelam alcoolismo. Há uma cara que revela violência, um olho negro.

De microfone na mão, dois dos anunciadores de slogans discutem a cadência e o ritmo dos seus slogans. Todo o corpo revela a cadência.

MDM pela igualdade laboral.

“Lula livre – pelos direitos democráticos.” A senhora que vi há pouco com a fruta na cabeça, faz parte deste grupo de manifestantes, segura uma faixa.

Do outro lado da avenida, nas escadas da igreja dos Anjos, estão sentados sem-abrigos, ao sol e a observar.

Bandeira da Palestina.

O grupo de imigrantes faz toda uma festa. Há música e bailarinos que improvisam indo até ao chão. Oriente, Africa, América-Latina.

Pai e filho aproveitam a marcha na avenida para jogar basketball. O rapaz deve ter por volta dos oito anos e está vestido com equipamento dos Chicago Bulls.

Vê-se o final da manifestação.

“A investigação exige contratos permanentes.”

“Promessas não pagam rendas.”

“Solidariedade imigrante.”

A manifestação parece ter as suas divisões, entre partidos, entre organizações, entre lutas. Os lugares na manifestação colocam questões.

“Mais salário, menos assédio.”

No final vem a faixa do trabalho sexual, com bandeiras da UMAR.

Passamos por uma residência da Santa Casa da Misericórdia, do lado direito da avenida Almirante Reis. Os que lá residem estão à janela, observam a manifestação.

Caem cravos de um terraço do nº70 da Avenida.

Voam balões vermelhos.

Uma criança tem um capacete protetor de ouvidos. É amarelo fluorescente e diz Kids. Ao lado está a mãe, com uma grande bisnaga colorida presa na rede da mochila.

Uma senhora desce a avenida de rosa amarela na mão.

“Reformados, uma força que conta.”

Chegada à Alameda. As pessoas amontoam-se. Espalham-se pela relva, continuam os slogans da CGTP nas colunas espalhadas.

Todas as barracas de comida têm filas.

“Cafetaria dos Reformados.”

“Petiscos da conquista do 25 de Abril.”

Há fila para os gelados também.

As pessoas sentam-se na relva do lado direito da Alameda. Outras ficam de pé, junto às mesas das barraquinhas.

Ao fundo está a fonte da Alameda. A água jorra com força.

A Casa do Alentejo está representada.

Tasquinha do SIMAME VIP.

Há vendedores de balões e de máquinas para fazer bolhas de sabão.

No meio da relva instalou-se um senhor que vende ténis da moda.

Estão presentes quatro palhaços que se metem com as pessoas e vendem balões de moldar.

Do lado esquerdo da relva, se estivermos virados para a fonte, há um parque infantil cheio de crianças nos baloiços e nos escorregas.

A líder da Interjovem é chamada ao palco para discursar.

Já estão à venda as primeiras sardinhas do ano. Junto à tasquinha, o lixo verde está cheio e de tampa aberta.

Há uma mistura de cheiros no ar.

As famílias aproveitam a relva. Trouxeram lenços para se sentarem e instalar o picnic.

Uma família Sikh está sentada na relva, em círculo e a comer sardinhas.

Está instalado um atelier de pintura facial para crianças. Há fila.

Do lado esquerdo da relva, oposto às barraquinhas de comida, estão barracas que vendem livros e t-shirts.

“Justiça para quem nela trabalha.”

Líder da CGTP está ao microfone e diz que este 1º de Maio teve mais afluência que o último.

Referência ao massacre de Chicago.

“– Venezuela!” 2x

Há fila para os bebedouros e para as casas de banho também.

As brasas de uma churrasqueira improvisada são remexidas com uma pá.

Uma senhora idosa tem um deambulador e está com dificuldade em descer o passeio. Usa ténis prateados.

São 17h30. Na Avenida a marcha continua porque ainda não chegaram todos os grupos de manifestantes à Alameda.

Carrinhas da polícia fecham a marcha enquanto a fila de trânsito avança lentamente. Alguns carros escapam em direção às ruas paralelas.

Diagrafia #2

1º de Maio, Lisboa

Projeto ArtCitizenship

Alix Didier Sarrouy – CICS.NOVA

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