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Diagrafia #5 – Greve Climática Global – Lisboa, 27set2019

Diagrafias

A ideia nas Diagrafias é fazer etnografia de um dia específico, sobre uma comemoração pública ou uma iniciativa privada, a situar no tempo e no espaço. O exercício baseia-se na observação etnográfica num só dia, sem possibilidade de continuar a exploração do mesmo tema noutra ocasião. O resultado formal deve ter um texto no qual se transcreve tudo o que se anotou no caderno, junto com gravações de som ambiente.

A transcrição das notas etnográficas quer-se o mais próximo possível do original, ou seja, com poucas correções formais e factuais. Um dos intuitos é apenas de revelar um olhar etnográfico sobre as ações sociais durante um dia, sem que haja comentários ou aprofundamentos analítico-teóricos. É a revelação da forma mais crua de observações etnográficas, deixando ao leitor a liberdade de interpretar, de querer analisar e questionar.

A nível do método e da forma, as Diagrafias estão próximas do que é feito em etnografia com “descrição densa” (Geertz, 1973), mas também dos documentários de Wiseman, Rouch ou Depardon, e da mais recente escrita da antropóloga Françoise Héritier (2012, 2017). O resultado não tem qualquer pretensão literária, embora nele se revele uma estética muito própria à escrita de notas curtas sobre interações sociais e sobre os contextos nas quais se realizam.

Esta quinta Diagrafia do projeto ArtCitizenship é sobre a Greve Climática Global em Lisboa, no dia 27 de Setembro 2019. Foi uma semana de manifestações por todo o mundo, e por todo o Portugal nessa sexta-feira. Propomos que durante a leitura da observação etnográfica oiça o som da manifestação com auscultadores.


Diagrafia #5

Greve Climática Global – Lisboa

Sexta-feira, 27 de setembro 2019

14h20 – Chego ao Jardim Roque Gameiro (arquiteto e pintor). Grupo de jovens à volta da árvore centenária para aproveitar a sombra.

Há uma faixa do Sindicato de Estudantes no chão.

Junto à escultura do Homem do Leme está montada uma mesa sobre a qual foram expostos cartazes, pins (Black Resistance, Gay Rainbow, Clima/Planeta, Pride, Black Lives Matter), o Jornal “A Centelha”, e livros para vender (Estado de la Revolución, de Lenin, Manifesto Comunista, de Marx e Engels, Reforma y Revolución, de Rosa Luxemburgo).

Estão presentes alguns adultos.

Bastantes máquinas fotográficas e de filmar. Tripés também.

Várias mães com as suas crianças, uma delas tem o bebé ao colo.

No total parecem-me estar 30 pessoas.

Já se testam megafones.

Junto ao rio Tejo está um grupo de policias com motas e carrinha. Falam do Sporting.

Um homem alto, de chapéu, cabelo branco, barba grande e pintada de verde, com óculos escuros redondos, calções azuis e sandálias, tem um cartaz no qual está escrito “Climate change strikes adults too”. Muitas fotografias lhe são tiradas.

No pequeno muro que circunda a árvore central sentam-se grupos de jovens com mães ou professoras.

Do outro lado, frente à estação de comboios do Cais do Sodré, chegam muitos jovens. Tiram uma animada foto de grupo.

No jardim há uma tabuleta na qual está escrito “Proibido alimentar pombos”.

Chega um grupo de adultos com mantas e uma grande tabuleta triangular: “Sentar em silêncio com a Terra – Ser Terra”.

Cartazes: “My world isn’t fine, what about yours?”, “Mother earth is calling”, “Salvem o clima”.

Chegam dois jovens com colunas de som montadas num carrinho.

Ouvem-se línguas estrangeiras.

“A cara dela é a cara de todos nós”, frase colocada num poster em que Greta Thunberg parece enraivecida atrás de Donald Trump.

Vão chegando grandes grupos de pessoas que marcaram local de encontro noutro lugar.

Há abraços e beijos afetuosos.

Vários jovens têm cabelos multicolores.

É feito um teste à coluna de som.

Aproveita-se o megafone para chamar pelo Rodrigo, “– Onde é que estás?”

Chegam mais adultos que se juntam ao grupo das mantas no chão. Parecem hippies. Sorriem muito. Descalçam-se e sentam-se nas mantas, por baixo da árvore.

Uma senhora faz sucesso com o seu cão preto vestido de uma t-shirt branca na qual está escrito: “Não há planeta B. Patuda pelo planeta”.

Num dos bancos do jardim estão duas idosas. São estrangeiras e tentam tirar uma selfie. Uma jovem portuguesa propõe a sua ajuda para tirar uma fotografia com o telemóvel. As duas senhoras comentam: “Oh, they are sweet!”

Fazem-se muitas fotografias de grupo.

Em pé está um senhor estrangeiro, de fato e gravata que me parecem caros, com óculos Persal do modelo Steve McQueen, sapato preto engraxado. Tem uma tabuleta de madeira na qual está gravado: “On strike for the climate”. Deve ter por volta de 45 anos, com um ar de Pierce Brosnan ou de agente do Matrix. Dando a volta à personagem noto que a tabuleta de madeira vem do tampo de uma caixa de vinhos do Douro, CARM Maria de Lourdes.

Cartazes: “Why do you bully me?”, “Save the turtles”, “Greve climática global em autodefesa”, “A Terra esgotou a sua paciência e nós também”, “Neste verão não foram só os gelados que derreteram”, “Make love, not toxic haze”, “Make earth great again”.

14h56 – Estão agora cerca de 300 pessoas. Ouve-se o Zeca Afonso nas colunas de som: “O que faz falta…”

As faixas estão alinhadas no chão. Seguem a ordem do cortejo a vir: “Catástrofe iminente, ação urgente”, “Climaximo”…

Um dos altifalantes não para de fazer feedback.

Canta-se uma nova versão de António Variações, “Se o Governo não tem juízo…”

Um senhor de idade passa pela multidão com sacos do Pingo Doce pesados: “– Quem quer água?”. Vende cerveja também. “– Olhem que no Rossio será mais caro!”

Enquanto alguns jovens líderes se organizam e tomam a palavra, muitos jornalistas colocam-se entre as faixas estendidas no chão. Fotos e filmagens. Alguns têm microfones nas mãos. Grita-se “Power to the people!”. Canta-se “Oh Terra txau txau txau…”.

Rapaz com cerca de 5 anos tem uma cartaz: “Denial is not a policy”.

O grupo dos adultos sentados continua a aumentar. Estão em silêncio no meio da multidão agitada. Tem um forte impacto simbólico.

Há jovens com megafone na mão que passam no meio do público aos pulos e gritam palavras de ordem.

Nos canteiros de relva estão grupos de crianças a lanchar. Sentam-se por cima dos cartazes. Os pais, dos quais alguns são artistas reconhecidos de Lisboa, distribuem a comida. Cada criança tem uma máscara de respiração, daquelas simples, que se vendem nas farmácias.

Ouvem-se gritos a pedir silêncio.

15h20 – Devem estar cerca de 500 pessoas no largo, em torno da escultura do Homem do Leme. As pessoas procuram um lugar à sombra neste dia de sol quente e céu azul.

15h21 – Observando melhor, penso que devem estar cerca de 1000 pessoas até à frente da Estação do Cais do Sodré.

O senhor dos sacos grita “– Olhá cerveja!”

Há uma comitiva do PSD um pouco à margem, junto à rotunda. Estão de cor de laranja e têm vistosas bandeiras do seu partido montadas às costas. Um pouco à frente, o PS também está representado. Tem uma faixa a dizer “Socialismo ambiental”. Entretanto a comitiva do PSD mete-se em fila indiana para ultrapassar o PS.

Ao longe vejo muita gente a chegar do metro e do comboio.

Há um grupo de homens com t-shirts brancas nas quais está escrito “Ligue-se @ nós”. São bancários que se dizem preocupados com o clima.

Há tantos cartazes neste grande grupo de pessoas. Tapam-se uns aos outros. Parecem lutar para serem vistos. As palavras de ordem também parecem confrontar-se, procurando ser ouvidas por todos.

Cartazes: “How dare you?”, “Respect your mother”, “Não ao furo, sim ao furo”, “Daqui a pouco vai haver tanto CO2 no ar que eu já não vou precisar de ganza para a moca”.

15h35 – Começa o cortejo. A multidão atravessa a praça do Cais do Sodré e dirige-se para a Rua do Arsenal. Uma senhora é ajudada a passar o seu carrinho de bebé por cima do pequeno muro. Um casal de idosos tenta passar pelo meio da multidão. Têm sorrisos nas caras e bengalas nas mãos.

Na Rua do Arsenal há pessoas que se metem à janelas dos prédios.

A multidão grita e assobia.

Os fotógrafos posicionam-se por cima das caixas de electricidade junto aos prédios.

A meio da rua, a multidão é convidada a baixar-se e a pôr-se de joelhos no chão. Levantam-se ao ritmo das palavras de ordem e gritam.

Duas jovens usam máscaras com caras de leão. Levantam um cartaz que defende a espécie.

Observo lutas de espaço entre partidos, entre fotógrafos, entre cartazes.

As pessoas na varandas olham curiosamente. Alguns fazem sinais de adeus.

Já na Rua do Ouro passamos por vários prédios em obras. A estrutura metálica que os protege serve de percussão. Muitos manifestantes batem nelas. Ao primeiro andar, de um buraco na rede envolvente, surge um senhor das obras cheio de pó. Faltam-lhe dentes da frente. Sorri animadamente e faz sinal de ok com a mão direita.

Cartazes: “It’s so bad that even introverts came”, “If you breath air you should be here”, “Planeta, amigo, o povo está contigo”, “Exploração de gás, Bajouca diz não”.

Humor, sentir, rir, entreajuda, olhar, caminhar, ajoelhar, levantar, braços, voz.

A melhor vista desta marcha deve ser do elevador de Santa Justa. Nas escadas e lá em cima estão muitos turistas a filmar com telemóveis nas mãos.

16h27 – Chegada ao Rossio.

Os pais que levam aos ombros as crianças com cartazes têm muito sucesso junto dos fotógrafos.

A frente da marcha dá uma volta à praça do Rossio.

Uma senhora resmunga porque muitos cartazes e muitas palavras de ordem são em inglês.

Forma-se um grupo junto à estátua central, do lado do Teatro Dona Maria II. Há faixas e cartazes no chão.

Uma criança com cerca de 8 anos segura um cartaz: “Se o planeta morre nós também”.

As crianças adoram cada vez que a multidão grita. Os cães não.

Cerca de 50 pombos voam dando a volta à praça por cima da multidão. Pousam na estátua central.

Enquanto isto, a marcha continua a chegar. Ainda há muita gente na Rua do Ouro. Uma ambulância aos berros tenta penetrar a multidão para dar a volta à praça.

Cartazes: “We are skipping a lesson to teach you one”, “Qual é o verde que vê?”.

Os partidos políticos vêm no fim: PSD, PS, VOLT, MAS.org, Bloco de Esquerda, Sindicato de Professores, Zero. Uma das lideres da comitiva do PSD é entrevistada durante a sua chegada ao Rossio e provoca a paragem de toda a cauda da marcha. Há palavras de protesto de alguns que assistem à cena. “– Hipocrisia”, grita um jovem.

Ao centro, junto à estátua, vão acontecendo os discursos das pessoas que se inscreveram. Há palavras fortes, a multidão que consegue ouvir reage.

Os jornalistas aproveitam as pessoas paradas a escutar para tirar fotografias, a elas e aos seus cartazes.

Cartaz: “Vão poluir prá p*** que vos pariu”.

Progressivamente, a multidão dispersa-se para as esplanadas dos cafés, para as ginjinhas, para as paragens dos autocarros e as bocas do metro.

Diagrafia #5

Greve Climática Global – Lisboa

Projeto ArtCitizenship

Alix Didier Sarrouy – CICS.NOVA

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